terça-feira, 29 de agosto de 2017

Lésbicas reivindicam atendimento humanizado e livre de discriminação

Na hora de ser acolhida para consultas ou exames, a orientação sexual não pode comprometer o atendimento humanizado, qualificado e integral preconizado pelo SUS. As mulheres, sejam hétero, homossexual ou bissexual, precisam e devem ser bem acolhidas pelos serviços de saúde. Independentemente de ter relações sexuais com homens, com pessoas do mesmo sexo ou com ambos, toda mulher deve ser atendida em suas necessidades, livre de preconceito e discriminação.
 O atendimento humanizado, que leve em consideração esta especificidade, sem manifestações de lesbofobia e biofobia, é o cenário ideal para estas mulheres. E esse é o esforço da professora Andrea Rufino. Ginecologista, psicoterapeuta e professora da Universidade Estadual do Piauí, ela pesquisa o atendimento às mulheres lésbicas e bissexuais e já ouviu experiências de todos os cantos do país.
Em entrevista ao Blog da Saúde, a ginecologista explica o quanto é importante os profissionais, tanto do SUS quanto da rede privada, considerarem que as mulheres não necessariamente fazem sexo apenas com homens.

Blog da Saúde - Que tipo de queixas as lésbicas relatam sobre o acolhimento nos serviços de saúde?
Andrea Rufino - Eu ouvi muitas mulheres em todo o Brasil e a queixa mais importante é que o acolhimento é distante, frio. No encontro com o profissional de saúde, não há espaço para que ela fale espontaneamente da orientação sexual dela ou da prática sexual com mulher. Em geral, ela fica tensa para divulgar a orientação sexual.
A segunda queixa é que, no meio desse acolhimento, a maioria dos profissionais não pergunta sobre práticas sexuais. Além do clima não ser favorável para que ela diga, ela também não é perguntada. E aí, nesse sentido, essa consulta começa com hesitação, com dificuldade, com pensamento se ela fala ou se ela não fala.
Há também relatos de um receio do exame ginecológico, do exame dos genitais. Há receio do uso do espéculo vaginal, algumas mulheres reclamam que os aparelhos são inadequados ou então o profissional anuncia que ela não precisa do exame de colpocitologia oncótica. Então, ela fica se sentindo desassistida.
Blog da Saúde - Qual é a melhor forma de atender essas usuárias e fazer com que elas se sintam acolhidas nas consultas e exames?
Andrea Rufino: Apenas por ter uma prática sexual não hétero, a mulher não se torna diferente no quesito de pessoa humana que precisa ser acolhida. O que é importante é que o profissional lembre que nem toda mulher que ele atende é heterossexual. A dificuldade inicial começa quando a gente olha para uma formação dos profissionais da área da saúde de uma maneira geral muito heteronormativa assumindo que todas as mulheres são heterossexuais.
Todo o ensino profissional é baseado na ideia de que as mulheres têm prática sexual só com homem. É um roteiro de perguntas voltadas para a mulher heterossexual. A mulher que faz sexo com mulher se sente surpreendida e muitas vezes não sabe bem aonde colocar a informação. Você precisar dar sinais para que aquela mulher possa se sentir mais à vontade para assumir uma identidade sexual. Você faz toda uma aproximação mais capaz de assistir aquela mulher nas necessidades e nas especificidades que ela necessita.
Blog da Saúde - Por que é importante que uma mulher que não tem relações sexuais com homens faça todos os exames como qualquer outra?
Andrea Rufino: As mulheres de maneira geral podem ter alguns tipos de câncer que podem acometer qualquer uma. Mulheres que não engravidaram e que passam muito tempo menstruando estão suscetíveis a isso e, neste contexto, há lésbicas vulneráveis. E, outras questões relacionadas aos hábitos de vida, que são comuns entre as lésbicas e bissexuais, como o tabagismo e o sedentarismo, que influenciam o risco de cânceres.
A prática sexual pode nos fazer ter contato com agentes e não é preciso ser penetrada para adquirir, por exemplo, herpes, sífilis, hepatite B e HPV. Doenças cuja a transmissão ocorre pelo contato e não pela penetração. Existe comprovação de que, mesmo sexo exclusivo entre mulheres, pode transmitir o HIV. O risco é pequeno, mas existe. Então, sexo entre mulheres também favorece infecções genitais não consideradas DSTs. Isso nos faz observar que as lésbicas precisam ser examinadas de maneira adequada, para que elas possam receber uma atenção de qualidade como todas nós merecemos.
Blog da Saúde - De que forma as lésbicas e bissexuais podem fazer com que seus direitos por serviços de saúde humanizados sejam cumpridos?
Andrea Rufino: É muito importante que as mulheres lésbicas e bissexuais consigam expor e divulgar a sua prática, a sua identidade sexual ou sua orientação sexual para o profissional de saúde, principalmente, em situações em que ela acredita que precisa dar essa informação para ser mais bem assistida. Informar o profissional vai ajudá-lo a fazer as escolhas necessárias.
A mulher deve estar empoderada para, mesmo diante de um ambiente desfavorável, fazer valer os seus direitos. Quanto mais bem informadas a respeito dos seus direitos, da sua saúde, se ela encontra um profissional que não atende às necessidades, deve fazer essa reclamação, esse registro, procurar o posto de saúde.
Informação e ação
Para a Andrea Rufino, com o passar dos anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada têm evoluído. Contudo, para conquistar um atendimento ainda mais humanizado, as lésbicas e bissexuais precisam se munir de informação para cobrar os profissionais durante consultas e exames e não deixar de apresentar queixas quando notarem discriminação e desrespeito.
Os registros podem ser feitos nas ouvidorias das unidades de saúde, seja na rede pública ou particular, e nos Conselhos Regionais de Medicina e Enfermagem. As denúncias podem ser anônimas.
A fisioterapeuta Karen Borges espera ter um dia um atendimento humanizado, que leve em consideração as particularidades de sua orientação sexual. “Eu acho que o ideal seria um atendimento digamos aberto, que permitisse a possibilidade para as mulheres se expressarem. Outro fator seria os profissionais de saúde saberem orientar sobre prevenção, que vai além das práticas heterossexuais. Isso seria importante também para a saúde psicológica das mulheres dentro do atendimento”.
Política Nacional de Saúde LGBT
As ações de prevenção e promoção da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais é preconizada pela Política Nacional de Saúde Integral LGBT, criada pelo Ministério da Saúde em 2011. Desde então o Ministério vem investindo na educação permanente dos profissionais a fim de garantir a qualidade no atendimento e respeito à peculiaridade deste público é um dos objetivos do SUS.
Para os profissionais que se interessam em saber mais sobre o assunto, a especialista Andrea Rufino assina um artigo disponível aqui.
Por Erika Braz, para Blog da Saúde 
Fonte: Blog da Saúde

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